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quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A intolerância na ponta do lápis


* Edson Rontani Júnior – Presidente da comissão organizadora do 39° Salão Internacional de Humor de Piracicaba
   
   "Cartunistas são muito criativos. Eles dizem muito com tão pouco, sem humilhar as pessoas". As palavras, proferidas em maio passado por Kofi Annan, enviado pela ONU para intermediar a crise na Síria, mostra a importância do lápis de um ilustrador diante da intolerância humana. Ele estava em Genebra, na Suíça, e parou por 40 minutos diante do Lago Leman para acompanhar uma exposição “Cartunistas pela Paz”.
  Ao escolher “Intolerância” como o tema do seu prêmio especial, o 39° Salão Internacional de Humor de Piracicaba faz um retrospecto dessas suas quase quatro décadas de vida. Afinal, o Salão surgiu como manifesto à mordaça colocada na boca do brasileiro pelos Atos Institucionais. O primeiro cartaz do Salão, em 1974, de autoria do reconhecido Laerte, criava uma metáfora com os porões da Idade Média para expressar o momento vivido no país. Aliás, a piada tem por base conto de Hans Christian Andersen, que, já em 1837, colocava à vista os opressores e os oprimidos. Mesmo estando nu, todos deveriam concordar que ele estava vestido. Em 1979, quando o salão se internacionalizou, Glauco mostra um pássaro assustado ao ver sua gaiola aberta. Era o momento da abertura política, “ampla, geral e irrestrita”, como dizia o jargão. O traço do nanquim nunca esteve tão forte como naquela época.
   No século passado, importantes contribuições foram feitas para expor a intolerância nas artes. Em 1916, David Wark Griffith filma “Intolerância”, um marco do cinema mudo, no qual relata o preconceito religioso na Babilônia e na Judéia, assim como o preconceito racial nos Estados Unidos. O Modernismo de 1922 rompe com o tradicionalismo e usa a anarquia como forte apelo na literatura e na escultura. O teatro brasileiro lançou ícones das artes cênicas como forma de manifestação à repressão nos anos 60.
   O “Código Hayes”, nos Estados Unidos, pregava a boa moral com selos de credibilidade na capa de histórias em quadrinhos. Mesmo assim, casais legalmente constituídos, teriam de dormir em camas separadas. Pura intolerância ! No Brasil, editoras como a RGE e O Cruzeiro estampavam em suas revistas o famoso selo “Aprovado pelo Código de Ética”. Isso foi muito bem explorado pelo jornalista Gonçalo Júnior, em “A Guerra dos Gibis”, impecável produção com mais de 400 páginas.
   Rompe-se a mordaça nos anos 70. “O Pasquim” foi seu exemplo máximo, mesmo que a intolerante caneta vermelha dos censores fossem mais vorazes que as mentes de seus idealizadores, dentre eles Millor, Jaguar, Ziraldo, Paulo Francis, Ruy Castro e tantos outros.
   Entre 2005 e 2008, jornais dinamarqueses publicam charges que criam insatisfação entre os muçulmanos. Redações foram alvos de protesto inclusive com bombas, ferindo com a intolerância o direito de expressão.
   A intolerância faz parte de nosso dia a dia, seja na vida social, no ambiente de trabalho, no trânsito ... O 39°. Salão de Humor de Piracicaba tem algumas paralelas que expõem parte de seu acervo com este tema, perpetuado ao longo destas décadas. O prêmio especial “Intolerância” que podemos ver no Salão deste ano traz peças totalmente contemporâneas mostrando a realidade vivida entre 2011 e 2012, pois as obras foram enviadas durante o primeiro semestre deste ano. Servem para mostrar como os artistas vêm este esta situação atualmente. Com olhar crítico e uma intolerante ironia. Visite-as, ria muito e não seja tolerante com o mau humor.

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