Páginas

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

O falso glamour do cigarro no cinema

* Edson Rontani Júnior – jornalista e cinéfilo


   Com a telona, ele teve um romance secular. O cigarro e o cinema foram o par perfeito para o merchandising. Teve penetração mundial e só dividiu espaço, a partir dos anos 40, com a televisão. Por mais algumas décadas, esse romance caminhou a passos largos. Foi, então, que a consciência do homem doeu e a separação tornou-se inevitável.

   A lei anti-fumo, em vigor no estado de São Paulo faz recordar o quanto unidos estiveram o cinema e o cigarro. Desde seus primórdios, o cinema já utilizava o fumo como artefato de glamour, já associava o ato de fumar à celebridade, à fama e ao dinheiro. As principais estrelas do cinema apareciam em fotos sempre segurando um cigarro ou charuto. Algumas com longas piteiras para ficar mais chique. Cachimbo foi pouco explorado, tendo em Basil Hathbone, na série “Sherlock Holmes” seu expoente máximo.



   No cinema em preto e branco a fumaça exalada numa sala fechada criava uma aura mágica aos olhos do espectador sentado no escuro do cinema. O cine noir, aquele estilo clássico nos anos 40 e 50, era feito em preto e branco no qual mocinhos e bandidos empunhavam, além de armas, o cigarro (o qual também não deixa de ser uma arma).

   Aliás, o filme que inaugurou o estilo noir, “Relíquia Macabra” (ou “Falcão Maltês”, duas traduções recebidas no Brasil), escrita em 1930 por Dashiel Hammet, foi o ícone do mocinho fumante. Humphrey Bogart, no papel de Sam Spade, empunhava um cigarro atrás do outro. John Huston neste filme rodado em 1941 conseguiu unir a escuridão necessária para o cine noir com baforadas brancas que geravam um contraste interessante. Spade gostava da marca Lucky Strike, perpetuada depois em série para a televisão que levava o seu nome e mostrava o mundo do suspense.



   Um ano depois, no drama “Estranha Passageira” (Now, Voyager) temos o mais clássico exercício do fumo associado à virilidade masculina e à meiguice feminina. Quase ao final do filme, ao som da trilha do mestre Max Steiner, Paul Henreid acende de uma só vez dois cigarros. Fica com um em sua boca e coloca o outro nos lábios de Bette Davis. “Não vamos pedir a lua. Nós temos as estrelas”, diz Henreid. Cinéfilos de todo canto do mundo cultuam essa cena, mesmo sabendo do perigo que o cigarro sempre representou.


   No cinema, na tela, no set, nos bastidores, nos encontros sociais ... No clássico “Casablanca”, 75% de suas cenas possuíam alguém com um cigarro na mão, um charuto na boca ou um narguilé na mesa. E isso mexia com o consciente coletivo. Foi a associação de um símbolo ao status, que dava força ao oprimido, unia corações e celebrava uma glória. Nos anos 90, a indústria cinematográfica fez acordo com os órgãos de saúde, principalmente nos Estados Unidos, com o objetivo de diminuir a exposição do fumo na telona. Isso é praticado até hoje. Mas por outro lado, foi necessária uma compensação. Ou não ? Vemos hoje nas produções de Hollywood grifes e mais grifes, seja de relógio, bebidas, roupas, carros, celulares e notebooks. Não é verdade ? O consumismo está mais que ativo !



   O jornal inglês The Lancet publicou, em 2003, pesquisa dizendo que o fumo nos filmes é responsável por cerca de 52% da iniciação ao tabagismo entre jovens de 10 a 14 anos. Lembremos que hoje os filmes feitos para o cinema vão para a TV e estão disponíveis em locadoras ou via streaming para qualquer faixa etária expondo essa incitação a qualquer público, seja infantil, adolescente ou adulto.

   “Obrigado por fumar”, do diretor Jason Reitman feito em 2006, mostra a manipulação do merchandising pelo interesse da venda. Os interesses de um país são corrompidos pela indústria tabaqueira que consegue mudar a opinião de senadores prestes a votar uma lei banindo o fumo. Dá para se pensar no que acontece ...



   Da televisão, os cigarros já sumiram. Nas disputas de Fórmula Um também. A lei estadual quer isso. Quer economizar dinheiro com os tratamentos necessários para a recuperação de um fumante e suas consequências. Busca também criar conscientização para que vigiemos nossos amigos e quem é fumante passivo não tenha que enfrentar as baforadas daquele que é fumante ativo. Em breve chegaremos numa época em que a fumaça de um cigarro nada mais será que um efeito especial criado por computador.

Nenhum comentário: